Pela regra de hierarquia das leis as compras eletrônicas
realizadas pela internet ou por telefone, a domicilio ou fora do
estabelecimento comercial, prevista no ( Art.49, parágrafo único do
CDC c/c Decreto
Federal n.º.7.962/2013 ), após o advento
do ( Código Civil de 2002 ) as desistências destas compras de qualquer
tipo de passagens de transportes, aplicar-se as regra do ( Art.740,
parágrafo único do Código Civil ). Ou seja, as regras do CDC não se aplicam as
compras eletrônicas ou por telefone de passagens aéreas, ônibus ou de
embarcações, neste caso as desistências se aplicam as regras previstas no
Código Civil.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de
7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou
serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços
ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a
domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de
arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a
qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato,
monetariamente atualizados.
CÓDIGO CIVIL
Art. 740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de
transporte antes de iniciada à viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor
da passagem, desde que feita à comunicação ao transportador em tempo de ser
renegociada.
§ 3o Nas hipóteses previstas neste
artigo, o transportador terá direito de reter até cinco por cento da
importância a ser restituída ao passageiro, a título de multa compensatória.
ACÓRDÃO
EMENTA: RECURSO
INOMINADO. TRANSPORTE AÉREO. RESCISÃO DE CONTRATO. RETENÇÃO DE VALOR COM BASE
EM PORTARIA DO DAC. ILEGALIDADE. INCIDÊNCIA DE NORMA EXPRESSA CODIFICADA.
PREPONDERÂNCIA DO CÓDIGO CIVIL.
1.- A
COMPANHIA DE AVIAÇÃO É CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE
AÉREO E COMO TAL APLICAM-SE-LHE AS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO BRASILEIRO DE
AERONÁUTICA, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E CÓDIGO CIVIL.
2.- EM
CASO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS, COM PRAZO SUFICIENTE
PARA RENEGOCIAÇÃO DAS PASSAGENS, DEVE A EMPRESA AÉREA PROMOVER A
RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO, PERMITINDO-SE A RETENÇÃO ATÉ O PERCENTUAL DE 5%
(CINCO POR CENTO) DO VALOR DA PASSAGEM NOS TERMOS DO ARTIGO 740,§ 3º, DO CÓDIGO
CIVIL, QUE PREVALECE SOBRE PORTARIA DO DAC, CONSOANTE PRINCÍPIO DA HIERARQUIA
DAS NORMAS.
3.- NÃO
SE TRATANDO DE COBRANÇA DE QUANTIA INDEVIDA DO CONSUMIDOR, MAS DE RESTITUIÇÃO
EM PERCENTUAL INFERIOR AO QUE PREVISTO EM LEI POR EQUIVOCADA INTERPRETAÇÃO DE
NORMAS LEGAIS, DESCABIDA A APLICAÇÃO DA PENALIDADE PREVISTA NO ARTIGO 42 DO CDC.
4.-
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes da Primeira Turma
Recursal do Colegiado Recursal dos Juizados Especiais, à unanimidade, conhecer
do recurso para dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator, que
deste passa a fazer parte integrante.
Vitória,
ES, de setembro de 2005.
R E L A
T Ó R I O
Os
autores ajuizaram Ação de Repetição de Indébito c/c restituição em dobro em
face de empresa de TRANSPORTES AÉREOS S/A, alegando que pactuaram com a
requerida contrato de transporte de pessoas, tendo reservado e adquirido os
bilhetes B6K1AH, Y2BMAE e A4PYAC, pela quantia de R$ 1.152,00, R$ 1.133,00 e R$
1.152,00, respectivamente, mais a taxa de embarque no valor de R$ 16,35,
referentes às passagens de ida (5.2.05) e volta (9.2.05) no trajeto
Vitória/Salvador. Alegaram, ainda, que por motivos alheios a vontade dos mesmos,
cancelaram o contrato em meados de novembro de 2004, tendo a requerida aplicado
a cláusula contratual concernente a reembolso, deduzindo como taxa
administrativa a percentagem de 20% (vinte por cento) do valor da passagem,
restituindo integramente apenas a taxa de embarque. Assim, requereram a
declaração de nulidade da referida cláusula, com base nas disposições do Código
Civil, bem como a restituição em dobro.
A r.
sentença de fls. 118/120 julgou procedente o pedido do autor, declarando a
nulidade da cláusula de reembolso disposta no contrato de transporte de
passageiros em que estipula como taxa administrativa o percentual de 20% (vinte
por cento) do valor pago pela passagem, para aplicar o percentual de 5%
(cinco por cento), nos termos do art. 740,§3º,do Código Civil de 2002 e
determinando9 a restituição dos valores pagos indevidamente em dobro, nos
termos do art. 42, parágrafo único da lei 8078/90.
Inconformada,
a companhia aérea interpôs recurso inominado a fls. 122/132, alegando
prevalência das normas previstas no DAC, vez que o CC prevê apenas multa
compensatória e no caso do contrato cuida-se de taxa administrativa, que
engloba outros títulos, bem como o não cabimento da devolução em dobro,
pleiteando o provimento do recurso para reformar integralmente a sentença ou
que a restituição não se dê em duplicidade.
Contra-razões
a fls. 138/145 rebatendo os argumentos do recurso e pugnando pela manutenção do
julgado.
É o
relatório.
V
O T O
Verificando
que foram atendidos os pressupostos de admissibilidade, sobremodo diante da
certidão de fls. 138, conheço do recurso.
A
recorrente é concessionária de serviço público de transporte aéreo,
aplicando-se-lhe as normas do Código Brasileiro de Aeronáutica, do Código de
Defesa do Consumidor e do Código Civil, como ela própria reconhece em seu
recurso.
Em caso
de antinomia entre o CBA e o CDC, preponderam as regras deste último, consoante
iterativa jurisprudência, valendo referir por mera exemplificação e dado o seu
conteúdo didático, o seguinte julgado:
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA
Acórdão:
Apelação Cível 2004.030123-4
Relator: Dr.
Sérgio Izidoro Heil.
Data da
Decisão: 04/03/2005
EMENTA: APELAÇÃO
CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - EXTRAVIO DE BAGAGEM - CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
CARACTERIZADO - APLICAÇÃO DO CDC - PRAZO DECADENCIAL DE CINCO ANOS - DANO MORAL
- QUANTUM FIXADO MODERADAMENTE - RECURSO DESPROVIDO
"Não se caracteriza o cerceamento de defesa quando
há nos autos elementos suficientes à formação do convencimento do juiz,
permitindo-lhe o julgamento antecipado da lide" (Embargos Infringentes n.
2000.024881-9, de Jaguaruna, rel. Des. Sérgio Paladino).
"O Código de Defesa do Consumidor
instituiu nova política de proteção ao consumidor, tendo suas regras abrangido
todas as relações de consumo. Em caso de antinomia entre o Código Brasileiro de
Aeronáutica e o CDC, prevalece este último, porque posterior e especial, além
de editado em consonância com a Constituição Federal" (Apelação
Cível n. 97.013595-5, da Capital, rel. designado Des. Pedro Manoel Abreu).
Ademais,
ocorre que o Código de Defesa do Consumidor-CDC, aplica-se a todas as relações
de consumo em qualquer campo do direito pátrio, como assevera, com a autoridade
de um de seus autores, o eminente Professor Antônio Herman Benjamin:
"O
Código de Defesa do Consumidor pertence àquela categoria de leis denominadas
‘horizontais’, cujo campo de aplicação invade, por assim dizer, todas as
disciplinas jurídicas, do Dir. Bancário ao Dir. de Seguros, do Dir.Imobiliário
ao Dir. Aeronáutico, do Dir. Penal ao Dir. Processual Civil. São normas que tem
função, não regrar uma determinada matéria, mas proteger sujeitos particulares,
mesmo que estejam eles igualmente abrigados sob outros regimes jurídicos. Daí o
caráter "especialíssimo" do Direito do Consumidor (...) o Dir. do
Consumidor é disciplina especial em razão do sujeito tutelado. E como é curial,
prepondera o sistema protetório do indivíduo em detretimento do regime
protetório do serviço ou produto. É a fisionomia humanista que informa todo o
Direito do Welfare State." (O Transporte aéreo e o CDC, Revista
Direito do Consumidor nº26).
Porém,
insiste a recorrente na inconsistente tese de prevalência da Portaria nº
676/2000, do Departamento de Aviação Civil – DAC, para justificar a retenção de
20% sobre o valor daspassagens aéreas vendidas aos recorridos em caso de
restituição, por cancelamento da viagem, bem como o disposto no contrato de
transporte firmado entre as partes (fls. 108/116).
Como
bem assentado na r.sentença impugnada incide na espécie o princípio da
hierarquia das normas, segundo o qual uma Portaria jamais pode prevalecer sobre
disposições traçadas por uma lei.
A
Portaria do DAC, datada do ano de 2000 cumpriu seu papel enquanto não havia
disposição expressa em contrário no antigo Código Civil de 1916. Com a
publicação do novo Código Civil de 2002, o transporte de modo geral e o de
passageiros, em particular, tiveram tratamento adequado, revogando tudo aquilo
que a Portaria dispõe de modo diverso.
Assim,
preponderam, prevalecem, impõem-se a todos os transportadores, quer do ramo
aeronáutico, rodoviário, aquaviário ou marítimo seus dispositivos quanto à
rescisão contratual, “verbis”:
Art.
740. O passageiro tem direito a rescindir o contrato de
transporte antes de iniciada a viagem, sendo-lhe devida a restituição do valor
da passagem, desde que feita a comunicação ao transportador em tempo de ser
renegociada.
...
§ 3 o
Nas hipóteses previstas neste artigo, o transportador terá direito de reter até
cinco por cento da importância a ser restituída ao passageiro, a título de
multa compensatória.
...
Ora, os
recorridos rescindiram o contrato cerca de três meses antes da data marcada
para a viagem, tempo mais do que suficiente para a recorrente revendê-las.
Portanto,
tenho por correta, nesta parte, a r.sentença monocrática.
Entretanto,
quanto à devolução em dobro do valor das passagens penso não se
aplicar ao caso em exame a penalidade contida no parágrafo único do artigo 42
do CDC.
Esta
Turma, em várias decisões, adotou a corrente prevalente na doutrina pátria de
que somente em caso de engano injustificável, dolo ou má fé se aplica a dobra
referida no artigo 42 do CDC.
Também
sigo o entendimento de que havendo cobrança indevida por parte do fornecedor,
este só deverá devolver o excesso em dobro se ficar demonstrado quaisquer dos
três requisitos acima referidos.
Até
porque invocável, por aplicação analógica, o verbete da Súmula 159 do STF:
“COBRANÇA EXCESSIVA, MAS DE BOA-FÉ, NÃO DÁ LUGAR ÀS SANÇÕES DO ART. 1531 DO
CÓDIGO CIVIL.”
Vale
lembrar que o art. 1.531 do Código Civil revogado a que se refere o enunciado da
Suprema Corte tratava de situação análoga prevendo a devolução em dobro contra
aquele que demandasse por dívida já paga.
Apesar
da revogação do Código Civil de 1916 a atualidade da discussão permanece, eis
que o preceito então corporificado no art. 1.531, encontra-se incorporado no
texto do art. 940 do Codex em vigor.
Assim
sendo, se a cobrança indevida decorrer de um equívoco não atribuível à má fé do
fornecedor, não se permite a exigência da restituição em dobro.
Nesse
mesmo sentido são os ensinamentos de Arruda Alvim (ALVIM, Arruda et alli.
Código do Consumidor Comentado. 2ª edição. São Paulo: RT. 1995) e Antônio
Herman de Vasconcellos e Benjamin (GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª
edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1998).
Avulta
ainda considerar que no caso dos autos sequer houve qualquer cobrança indevida,
porquanto na venda das passagens foi cobrado o valor correto, segundo
a tabela de preços de mercado da recorrente e muito menos pagamento indevido.
Apenas
a restituição, em face do cancelamento dos contratos, por desistência da viagem
- por parte dos recorridos - é que a devolução se deu em dissonância com o
disposto no Código Civil e isso não se configura em má fé ou dolo, mas
equivocada interpretação das normas legais existentes por parte da recorrente.
Com
fundamento nessas considerações, dou parcial provimento ao recurso, apenas para
excluir a dobra do valor da restituição determinada na sentença, que, no mais,
fica mantida por seus jurídicos fundamentos.
Sem
imposição de ônus sucumbenciais, na inteligência do disposto no artigo 55 da
LJE.
É como
voto.
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